Capela de Nossa Senhora da Guia – 1882 (desenho)

Capela de Nossa Senhora da Guia - 1882

Esta gravura mostra-nos um desenho a carvão da Capela de Nossa Senhora da Guia no ano de 1882.

O autor, o artista vimaranense António Augusto da Silva Cardoso (1831-1893), partiu para o Brasil aos 17 anos de idade, formando-se em Belas Artes na Academia Imperial do Rio de Janeiro e regressando a Portugal em 1865, onde foi pintor-retratista, fotógrafo e um dos sócios fundadores da Sociedade Martins Sarmento.

A Capela de Nossa Senhora da Guia na foz do Ave é um dos edifícios mais vetustos de Vila do Conde, cujo percurso histórico pode ser traçado desde o ano de 1059, quando é referida como Ermida de São Julião Mártir no inventário das herdades e igrejas doadas ao Mosteiro de Guimarães, fundado por Mumadona Dias, tia de Flamula Pelagius, a mais antiga proprietária conhecida dos terrenos que hoje correspondem à cidade de Vila do Conde. Alvo de vários restauros e remodelações ao longo dos séculos, derivado da sua localização no cimo de penedos junto ao mar, objeto de inevitável deterioração causada pelos elementos da natureza, pouco ou nada restará da ermida primitiva, a não ser a posição geográfica.

A sua última grande remodelação foi executada no início do século XX, quando foi alvo de um aumento para norte, modificando a sua configuração em “L” para um feitio retangular, que ainda hoje se pode observar. A prévia aparência da capela é exemplarmente descrita pelo comandante João dos Reis (nascido em 1875), que identifica ainda a primitiva ermida como correspondente à area do altar-mor.

“Ficara pois constituida a Capela, pela primitiva Ermida já referida, com sacristia pelo lado do Norte e o acréscimo que, partindo da entrada da Ermida, fora prolongado para o Ocidente. Colocaram nesta extremidade o coro, com acesso por uma pequena e estreita escada, do lado do norte. O acréscimo foi dotado com um portão ao Centro do lado do Norte e em frente uma porta de acesso ao Adro, lado do Sul. (…) Pelo ano de 1900, ou pouco mais, como o recinto da Capela fosse pequeno para acomodar os devotos, especialmente em ocasiões da Festividade, a Mesa, resolveu aumentar a Capela, fazendo o que anteriormente já havia sido feito. Prolongar o corpo da Sacristia que, com duas portas uma para o Norte e outra para o Ocidente, ficava do lado Norte da Ermida. Assim foi feito, construindo-se uma parede pelo Norte em direcção ao Ocidente, até ficar a parede do fundo, na direcção e ligada à anteriormente construida. A parede, que devido a este aumento, ia ficar ao Centro, foi desfeita, ficando a trave mestra sustida por pilares. O portão foi transferido para a Nova parede. A Capela que era de uma só água, um pavilhão, ficou sendo de duas, dois pavilhões, dois corpos.”
João dos ReisCoisas do Passado – Gente Humilde (1951) pp.103-104

Esta cronologia é corroborada por um periódico local quase contemporâneo desta expansão: o “Commercio de Villa do Conde”

“Há quatro ou cinco annos foi a capella ampliada para o lado do norte com grave prejuizo para o edificio. Para prova d’isto basta a perda por completo de todos os azulejos do seculo XVII que revestiam a parede demolida, e que não foram novamente collocados na parede actual.”
Commercio de Villa do Conde nº 5 – 23 de Dezembro de 1906

Como se verifica, este último acréscimo adicionou à capela a área entre a “nova” porta de entrada e os pilares que nesse tempo se construíram no centro da capela. Antes disso, a referida configuração em “L” incluía apenas a nave entre o coro e o altar-mor, junto com a sacristia.

Esta configuração é a que se pode verificar neste retrato de 1882, cerca de duas décadas antes da referida intervenção. Os postais e fotografias mais antigos desta milenar capela são já dos primeiros anos do século XX, o que valoriza ainda mais a importância histórica desta representação, talvez única com a excepção das plantas e mapas, que representa a singular Capela de Nossa Senhora da Guia antes do dealbar do século XX.

No lugar do Cruzeiro da Independência, firmado em 1940 no topo da escadaria que se encontra a sudeste da capela, podemos ainda observar o facho que durante décadas ou até séculos ofereceu um inestimável apoio aos homens do mar para uma mais segura passagem na complexa barra do Ave.

Exemplo de um postal da Capela de Nossa Senhora da Guia, de cerca de 1920, com “cliché” do início do século

Para terminar, um agradecimento ao bisneto do autor, Abel Cardoso, pela permissão de partilha desta obra. Segundo o mesmo, a legenda “o meu pae em 1882 – Villa do Conde”, terá sido escrita posteriormente por um filho de António Augusto da Silva Cardoso.

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