As estações dos correios (e outras casas)

Sérgio Paiva – 05/12/2020

A História dos correios em Vila do Conde pode ser traçada desde a segunda metade do século XVI. De 1570 provém o mais antigo documento conhecido a referir um transporte de cartas, sendo do ano 1581 a mais antiga referência a “correios” em Vila do Conde, quando um alfaiate e um canastreiro foram incumbidos da função de “correios”, no conturbado início da dinastia Filipina.

Ata da vereação de 27 de Julho de 1581
Arquivo Municipal de Vila do Conde

Não seria então necessário um posto específico para albergar e tratar da correspondência, já que as mensagens que teriam imprescindibilidade de envio via estafeta seriam de cariz oficial e este meio de comunicação não seria acessível à população em geral.

Apenas na segunda metade do século XIX se encontram menções a uma primeira estação de tratamento de correspondência, localizada num troço da então recentemente construída Estrada Real, denominado Rua D. Luiz I (respetivamente Estrada Nacional 13 e Rua 5 de Outubro, na atualidade). Esta casa foi utilizada intermitentemente como habitação, espaço de comércio e serviços ou ambos. A Mercearia Portuense, a Associação de Canaricultores, a Fraternidade de Nuno Álvares, a Recorlab ou o Rui Maia Project são exemplos de algumas das empresas que ocuparam (ou ocupam) este edifício.

Rua 5 de Outubro
Primeira estação dos correios – Rua D. Luiz I (Rua 5 de Outubro) – imagem de 2020
c.1874 – 1912

Em Julho de 1912, a “estação telegrapho-postal” moveu-se para a Rua da Costa, instalando-se no piso térreo da famigerada casa brasonada da família Pizarro, onde hipoteticamente terá nascido no século anterior o escritor José Maria d’Eça de Queiroz. O edifício é fruto de uma reconstrução do século XVIII, e é conhecido por variadíssimos nomes: Casa dos Carneiro Pizarro, Casa dos Pizarro Monteiro, Casa da Costa, Casa da Cadeia Velha, Casa de Burgães… Para além de residência e posto de correios, albergou também a cadeia, o tribunal, associação de moradores, tendo sido para aqui projetado um “Museu da Criança” que nunca viu a luz do dia, entre outros planos que igualmente resultaram infrutíferos. O imóvel encontra-se em avançado estado de degradação, tendo nos últimos anos perdido parte da sua torre e visto o seu muro voltado a poente ruir. Encontra-se neste momento a decorrer uma intervenção de consolidação de alvenarias. Que seja a primeira intervenção de muitas necessárias para devolver a esta nobre casa a glória de tempos passados.

Rua da Costa
Segunda estação dos correios – Rua da Costa (imagem de 2014)
1912 – 1935

Já neste tempo a “Casa da Costa” não se encontraria bem conservada, comprovando-se esse facto pelos inúmeros relatos de falta de condições e até inundações que se encontram nos periódicos locais. Em 1929 recebeu a visita do Ministro do Comércio, tendo em vista a possibilidade da instalação de rede telefónica, a pedido da Associação Comercial e por intermédio do ilustre vilacondense, Coronel Alberto Graça.

Revista Vila do Conde nº 7
Visita do Ministro do Comércio
Revista “Vila do Conde” nº 7 – Julho de 1929

Ainda assim, a estação dos correios manter-se-ia aí até 1935, quando foi estabelecido um contrato de arrendamento com Custódio Almeida, proprietário de uma recém-reconstruída propriedade na Avenida Campos Henriques (atual Avenida José Régio), com forte intervenção do então administrador geral dos correios, Luís d’ Albuquerque Couto dos Santos1.

Avenida Campos Henriques
Terceira estação dos correios – Avenida Campos Henriques (Avenida José Régio)
1935-1957

Esta estação dos correios teria como vizinhos a Pensão Peninsular a sul e a Casa do Anzol a norte, durante a maior parte da sua permanência neste local. Depois de estação postal, foi ocupada nos seus baixos por espaços comerciais como o Cardoso da Saudade, o Stand Barreto, ou a Lusomar.

Sendo inicialmente encarada como uma solução temporária, os correios manter-se-iam neste espaço até 1957.

Avenida José Régio
Na atualidade (Avenida José Régio) – imagem de 2020

Entretanto, na madrugada de 16 de Maio de 19392, ocorreu um episódio caricato… O quartel dos Bombeiros Voluntários de Vila do Conde, sito no gaveto da Avenida Coronel Alberto Graça (Avenida Dr. João Canavarro) com a Rua Dr. António de Andrade, foi vítima de um curto-circuito que iniciou um incêndio. As chamas atingiram os foguetões do serviço de Socorros a Náufragos, que começaram a disparar e a alastrar rapidamente as chamas, eventualmente consumindo grande parte do edifício e incapacitando-o de acomodar a instituição. O quartel dos bombeiros ardeu…

Quartel dos Bombeiros - Av. Coronel Alberto Graça
Quartel dos Bombeiros visto de sudoeste – Avenida Coronel Alberto Graça / Rua Dr. António de Andrade

Durante o mandato de José Maria de Andrade Ferreira como presidente da Câmara Municipal, este terreno foi cedido para a construção de uma creche, promovida por Joaquim Pacheco Neves. Após anos de angariação de fundos, as ruínas do quartel seriam vendidas em 1944 para dar início à construção da creche. Esta seria interrompida abruptamente em 1946, após a eleição de Bento Amorim para a presidência da Câmara.

O edifício de cantaria de granito, embargado e semi-construído, encontraria finalmente um destino em 1954, já com Carlos Pinto Ferreira na liderança da Câmara, com a sua adjudicação aos CTT.

A nova estação dos correios seria inaugurada a 11 de Abril de 1957, sendo este o último local “não provisório” que os CTT conheceram na localidade, e que se mantém até hoje.

Correios Av. Coronel Alberto Graça
Quarta estação dos correios – Avenida Coronel Alberto Graça (Avenida Dr. João Canavarro)
1957-1980

Com o aumento substancial de movimento, as instalações tornar-se-iam uma vez mais tacanhas, sendo necessária uma nova reforma dos seus aposentos.

Em 1980, os correios sairiam provisoriamente para o antigo Convento do Carmo, contando com um invulgar mas necessário apoio de roulotes. Construído nos finais do século XVIII e utilizado apenas cerca de meio século para a sua função inicial, o edifício foi cedido à Câmara, tendo sido utilizado também como tribunal, escola de rendas, escola primária de gramática e estando hoje ocupado com serviços camarários.

Convento do Carmo
Quinta estação dos correios – Convento do Carmo
1980-1986

Apenas em 1983 se concretizaria a demolição do edifício da Avenida Dr. João Canavarro e se iniciaria a construção do novo prédio de sete andares, que estaria concluído em 1986. Em 28 de Julho desse ano, os correios voltariam ao seu local precedente, agora num edifício moderno e com a entrada voltada a poente, para a Rua Dr. António de Andrade.

 

Rua Dr. António de Andrade
Sexta estação dos correios – Rua Dr. António de Andrade (imagem de 2020)
1986-atualidade

Daqui sairiam apenas mais uma vez, entre Maio e Outubro de 1997, para uma remodelação no interior do espaço da Rua Dr. António de Andrade. Utilizariam durante estes meses uma superfície comercial na Praça Luís de Camões, a poente do Palácio da Justiça. Pelo reduzido tempo que os correios ocuparam estas instalações não incluí na cronologia.

Concluindo, e para não fazer diversas referências repetidas ao longo do artigo, devo fazer notar que este é baseado no trabalho de A. Pinto Fernandes – Os Correios em Vila do Conde (2019), dispondo em especial da sua assertividade cronológica.

  1. Renovação nº 62 – 6 de maio de 1939
  2. Renovação nº 64 – 20 de Maio de 1939
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