Toponímia de Vila do Conde (parte 5)

Sérgio Paiva – 10/Ago/19

Logo que terminar este estudo sobre a toponímia de Vila do Conde, irei iniciar a secção “As Outras Vilas de Condes“, apresentando várias outras terras com toponímia semelhante à de Vila do Conde, de forma a tentar estabelecer bases de comparação entre o que se sabe (e não se sabe) sobre a “nossa” Vila do Conde e todas as outras que serão publicadas.
A “Vila do Conde” mais fácil de encontrar é Villa del Conte, localizada próximo de Pádua, no norte de Itália, a qual será a primeira a fazer parte da secção acima referida. Em 1994, foi publicado um livro sobre Villa del Conte, com uma vasto estudo histórico da autoria de Claudio e Paolo Miotto, intitulado “Il Territorio di Villa del Conte nella storia“. Desta publicação, de quase 1000 páginas, apenas se pode aceder a pequenos excertos online. O índice motiva curiosidade pelos primeiros capítulos, que falam sobre a “toponomastica comitense”, ou seja, a toponímia de Villa del Conte.
Consegui entrar em contacto com Paolo Miotto, um dos autores, com o intuito de esclarecer o caso de Villa del Conte e saber algo sobre o que escreveu no seu livro. Entre outras hipóteses, diz que é possível que a origem do topónimo se deva à família Conti de Pádua, no século X conhecida por de Comite.

4 – Nome de família

Apesar de ser uma teoria nunca apresentada pelos estudiosos da História de Vila do Conde, e apesar de poder ser uma hipótese para a origem do topónimo de Villa del Conte, segundo Paolo Miotto, é uma conjetura muito pouco plausível para a origem do topónimo vilacondense. Não encontrei registos de qualquer família de relevo na época medieval com um apelido sequer similar com “Conde” ou “de Comite”, muito menos que tivesse alguma relação com a Villa.

Sobre esta Villa del Conte e a relação desta comuna italiana com Vila do Conde, há mais uma teoria, desta vez formulada pelo historiador vilacondense José Coutinhas.

5 – Colonos romanos provenientes de Villa del Conte

“Vila do Conde terá sido fundada por gentes que aqui se estabeleceram, vindas, por via marítima, do Veneto, no nordeste da península itálica, não longe do mar Adriático. Aportaram as galeras ao Avus, rio já citado pelo geógrafo grego Ptolomeu. Terão cá chegado no primeiro século a.C., aquando da expansão do Império Romano até à Lusitânia, ou, mais tarde, a partir do século V d.C., o século da queda do Império Romano do Ocidente, fugindo à destruição e ao saque do norte de Itália pelos bárbaros de Alarico. Na foz do Ave, acharam um caminho ameno, com uma terra lenta, boa para o cultivo, que lhes lembrava a dos férteis e alagadiços campos do seu Veneto natal. (…)
Essas gentes que se estabelecram junto à foz do Ave, partiram de uma linda terra existente na península itálica, não longe de Veneza, que, ao tempo em que a Itália e Portugal falavam a mesma língua, o latim, se chamava exactamente como Vila do Conde: Villa Comitis!
Questa bellissima cittadina italiana del Veneto chama-se hoje Villa del Conte, que quer dizer, em tradução portuguesa, Vila do Conde!”
José Coutinhas
A Noiva Prometida e a Nau Saudade (2007) pp.103-104

Como veremos adiante em outro artigo, Villa del Conte também foi denominada, tal como Vila do Conde, de Villa de Comite, para além de Villa Comitis. Sabendo-se que o documento mais antigo que refere essa Villa de Comite em Itália data do ano de 10851, sendo esta terra localizada tão próxima de Pádua e do seu graticolato (nome da centuriação romana2 nesta área), torna-se pouco provável não se encontrar qualquer referência a Villa del Conte por mais de um milénio após a sua fundação, inferindo-se assim que a mesma não terá uma data excessivamente anterior à data desse documento.

Esta teoria de José Coutinhas é uma extensão da apresentada por Pacheco Neves, na sua monografia de Vila do Conde. Segundo Pacheco Neves, e apoiando-se nos estudos de Alberto Sampaio3, diz-nos que:

“Todas as localidades nomeadas na carta de venda de Flamula só passaram a ter nome depois da reconquista? Sabe-se que não, o que nos leva a admitir, dentro dum critério simplista, que o lugarejo que existia à volta do «castro» pertencesse ou fosse governado por um «comité», que por ele era responsável perante mais altas entidades governativas. No tempo do imperador Constantino havia os «comites provinciarum ou governadores de província». A circunstância de não se terem encontrado documentos que falem de Vila do Conde, pouco significa. Cerca de Vila Pouca de Aguiar há uma Vila do Conde e perto de Coimbra, no Cartulário do Mosteiro de Santa Clara, fala-se nos limites de outra. Não serão Vilas do Conde a mais para festejar condes de que nunca se disseram os nomes? Não será mais natural aceitar a denominação romana para dar nomes às vilas onde foi exercido o cargo administrativo correspondente aos comites provinciarum?”
Joaquim Pacheco Neves
Vila do Conde (1987) p.10

6 – Comites (Condes) romanos

Como última hipótese, a palavra “Conde” poderá ainda ter origem romana, tal como a “Vila”. O Imperador romano Constantino, fruto da descentralização do Império Romano nos princípios do século IV, criou uma nova classe hierárquica, designada de comes provinciarum ou comes diocesium (transliterado para conde da província) no singular, ou comites provinciarum ou comites diocesium, no plural. Estes comites seriam um conjunto de condes, não no sentido feudal ou hereditário, mas uma espécie de acessores e informadores do Imperador, com especial foco na investigação de denúncias de corrupção e extorsão4. No início do século seguinte (V), existiria uma outra classe hierárquica, com mais poderes, com o mesmo nome5. Estes “novos” comites diocesium, juntamente com os seus vicarii (vigários/vices), já teriam as suas dioceses, ou províncias, determinadas, descritas no Notitia Dignitatum, extenso documento redigido para o Império Romano do Ocidente no ano de 4206. A função destes comites seria a da governação militar da sua respetiva província. No nosso caso, quer nos “antigos” ou “novos” comites diocesium, os que nos interessam são os comites hispaniarum, informadores (antes de 420) ou governadores militares (após 420) da diocese romana de Hispania, correspondente à Península Ibérica. Será que a toponímia de Vila do Conde é proveniente da existência destes comites hispaniaraum no território que abrangia toda a península? É de notar que a qualquer dada altura este cargo era ocupado por apenas uma pessoa, não existindo então um “conjunto de condes” (comites) a governar a Hispania.

Antes da redação do Notitia Dignitatum, já os suevos tinham transposto os Pirinéus em 409 e tomado conta da Galécia, província onde se incluía Vila do Conde e onde fundaram o Reino Suevo em 4117. Ou seja, antes da reforma das funções destes comites. Assim sendo, a segunda série destes comites já não teria soberania ou influência em qualquer terra da Galécia, muito menos poderiam originar o topónimo Vila do Conde.

O Imperador Constantino nomeou como primeiro comes hispaniarum o seu conselheiro Octaviano, no ano de 316. Vários outros “condes” lhe sucederam nesta função, sendo que a sua importância terá sido atenuada ao longo do século, presumindo-se isso pela crescente escassez de dados relativos a estes comites, até à data em que este cargo foi revitalizado no ano de 420, com novas funções, no já referido Notitia Dignitatum.

O plural de comes é comites. Vila do Conde é referenciada como Villa de Comite, e Villa Comitis, em documentos dos séculos X e XI. Comitis é o genitivo (indica posse) de comes e comite é o ablativo (indica relação/origem) de comes. Ou seja, quer comitis, quer comite referem-se a casos gramaticais do singular do substantivo comes, e não do seu plural, comites. Pela teoria apresentada por Pacheco Neves, o topónimo Vila do Conde teria obrigatoriamente de ser referente a apenas um destes condes romanos, dos primeiros antes da redação do Notitia Dignitatum, os que teriam funções e poderes bem mais limitados em relação ao segundo conjunto de comites provinciarum.

Pela reduzida importância destes “condes” pré-Notitia Dignitatum, pela extensa área sobre a qual eram informadores (apenas uma pessoa para toda a Península Ibérica) e, do que se sabe, reduzidos períodos de ocupação do cargo8, esta parece ser mais uma teoria improvável para a origem do topónimo. Viria um desses informadores, sem qualquer função administrativa, legislativa ou jurisdicional, atravessar toda a península até ao extremo oposto para (re)fundar e dar nome a uma terra? Não sendo impossível, é extremamente improvável.

Depois de analisadas todas as teorias alguma vez sugeridas para explicar a origem do topónimo, deixo-vos com umas palavras de Pacheco Neves, uma nota subsequente ao texto acima reproduzido da monografia já referida, criando uma “ponte” para a introdução de uma nova secção.

“Não é assim fácil de chegar a essa conclusão. Para o ser deveríamos encontrar a mesma designação na Roma Antigae nos povos por ela dominados. A Itália, o sul de França, toda a Península Ibérica, deviam ter povoações onde o baptismo de «comites» fosse vulgar ou, pelo menos, exemplificado com a existência de um nome, Nada encontrei que viesse apoiar a sugestão de Alberto Sampaio. O mapa que consultei, uma edição minuciosa dos Laboratórios CIBA, o EUROPA ROAD ATLAS, não me mostrou um único nome que tivesse sequer uma semelhança. Se tivesse encontrado, penso que deixaria de ter dúvidas sobre o topónimo.”
Joaquim Pacheco Neves
Vila do Conde (1989) p.11 nota 3

Mais de trinta anos depois do estudo de Pacheco Neves, as ferramentas disponíveis são mais numerosas e a informação é de muito mais fácil acesso. A Internet fornece-nos mapas pormenorizados, fotografias de qualquer ponto do mundo, livros e documentos digitalizados de todo o tipo de épocas e temáticas… Vamos então à procura d’”As Outras Vilas de Condes” por este mundo fora, tentando encontrar semelhanças no foro toponímico com a nossa…

Toponímia de Vila do Conde (parte 1)
Toponímia de Vila do Conde (parte 2)
Toponímia de Vila do Conde (parte 3)
Toponímia de Vila do Conde (parte 4)

  1. Andrea Gloria – Codice Diplomatico Padovano (1877) p.310
  2. Também conhecida por “grelha romana”, método de medição e divisão de terrenos de vasta área
  3. Alberto Sampaio – As Vilas do Norte de Portugal (1899)
  4. A. H. M Jones – The Later Roman Empire 284-602 (1964) p.105
  5. Jacek Wiewiorowski – Comes Hispaniarum Octavianus, the special envoy of Constantine the Great (Gerión – Revista de Historia Antigua Vol. 24 Núm. 1) (2006) p.326
  6. Intra Hispenias cum uiro spectabili comite (“nas Espanhas, com seu muito honorável conde”, seguindo-se a lista dos cargos subordinados)
  7. Pablo C. Díaz – El Reino Suevo: 411‑585 (2011)
  8. Jacek Wiewiorowski – Comes Hispaniarum Octavianus, the special envoy of Constantine the Great (Gerión – Revista de Historia Antigua Vol. 24 Núm. 1) (2006) p.329
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